Stormy Daniels vs Donald Trump @ 60 minutes

 

Há razões de sobra para um impeachment sólido e nenhuma passa pelas quecas que o donald deu, quando as deu e com quem as deu (desde que consentidas; ou tanto quanto o podem ser, considerando o espécimen). O sexo, no caso, até terá sido consensual, tão consensual quanto pode ser com aquele farrapo de homem. Há, depois, a questão da ameaça no parque de estacionamento (vale zero, não há provas). Já o acordo assinado uns dias antes das eleições e as respectivas implicações jurídicas são outros quinhentos.

Jogar o jogo “americano” é, pois, uma das formas possíveis. Em qualquer país MINIMAMENTE civilizado, “trump” não existiria (não sob a máscara desta coisa). Mas se não interessa mesmo o facto de o arremedo estar pronto para rebentar com o planeta (e poderia aqui enumerar umas dezenas de causas e efeitos), então fica a tal da stormy daniels.

O homem ameaça com uma guerra nuclear, quer armar professores para abater quem ele mesmo faz questão de deixar andar armado… Não chega.

Que chegue a queca e o acordo que viola(m) as regras eleitorais dessa tal “democracia” e das obrigações desse tal “líder do mundo livre” (uma bacorada caduca que vem dos tempos doutra guerra fria). Tudo, queca e acordo, acima dos acordos internacionais pela sobrevivência do Planeta. Passe a generalização a 50%, sob o jugo destes energúmenos de fraldas, cowboys eternos em piloto automático, paridos há menos de três séculos, não dá mesmo para usar outra linguagem.

A minha guerra nem sequer é com esse cheetos mascarado de homem y sus muchachos giratórios (eleitores e a fantoches a soldo). Não directamente, ou algo semelhante, mas na medida em que começam a bulir com a esperança de vida deste Planeta e tudo o mais que isso implica.

Um país branco, brando e de bons costumes

cocas

Imaginem um país

Um país de portas cerradas

Um país onde te dizem:

“são todos iguais”

“vivem da droga”

“vivem das esmolas do estado”

“assassinos a soldo”

E agora imaginem outro país.

Este “nosso”

Brincadeira de prosa cortada em frases sérias

Voltemos ao país original, que é o inicial

Um país brando e de bons costumes.

Onde o teu filho não entra

Assim como tu não entraste

Nem o teu pai entrou

Porque és branco

Onde o “somos todos iguais” te é atirado à cabeça.

Todos os dias

Não como na Constituição.

Mas porque –

– és branco.

Porque os teus avós são brancos.

Porque os teus pais são brancos.

Porque os teus filhos são brancos.

Porque os teus netos são brancos.

E por ser branco nunca te permitiram, nem permitirão, ser outra coisa!

Além da pele!

Imagina-te branco

E vai mais além…

Que por seres branco não podes ser outra coisa

Simplesmente porque és branco

O teu filho chama-se Zeca Afonso

E é branco

O meu filho não é branco e sabe nada do teu

Já soube

No tempo em que não havia cores

Anos passados

Branco como aquela bola de neve que desce a montanha

E aumenta de tamanho

A cada geração

Cada filho parido será mais branco ainda

Apenas por ser branco

Gatuno, por ser branco

Traficante, por ser branco

Sem identidade porque basta a cor da pele

Basta ser branco

Imagina-te branco

Faz um esforço, por mais que te doa

(não dói nada, pois não?; tens a cor certa)

Um país onde te apontam a dedo

“são todos iguais”

“vivem da droga”

“vivem das esmolas do estado”

Os brancos!

E agora, branco que te imaginas

Que és

Vai mais além

Imagina que te gritam até ao neto do teu neto

És branco, serás branco

E não passas de um branco de merda

Porque és branco e os brancos são todos iguais

E não refiles

Branco

Sê lá isso que sabes

O que te ensinámos, rótulo

Sê um branco de merda

Deve ser fodido, isso de nascer branco

Levas logo com a cor dos costumes e com um sapo na testa

Porque é assim

Nasceste adjectivo

E nada mudará isso

Vendes drogas e cuecas, branco

Não te deixam fazer diferente

E nós compramos

És a nossa desculpa, o nosso apontar de dedo

Ouvirás tudo isto, Zeca Afonso

Dirão “olha o branco!”

E depois ainda reclamam. E um dia vais dentro, porque não tiveste outra hipótese. Nasceste branco.

Esta prosa partida em pedaços é dedicada a um menino chamado Zeca Afonso. O meu filho nunca lhe chamou outra coisa, a não ser Zeca Afonso. Não sabemos dele, não. Assim como ele não sabe de nós. Porque Portugal lava mais branco. Não tenho lembrança de alguém algum dia me ter dito “és branco, só podes ser iguais aos outros brancos”. Nunca ninguém me mediu as acções e omissões pela cor da pele. Nunca ninguém me avaliou pelos actos de outros que nasceram com a cor de pele dos meus pais e avós. Nunca ninguém comparou o meu filho aos da cor dele. Ainda bem, digo. Se me começassem a avaliar pela cor – patético não seria? −, acabaria sem ter hipótese de começar. Com destino traçado antes do “vagido” inicial.

O menino Zeca Afonso é cigano, filho de ciganos, um dia será pai de ciganos. E já terá levado com sapos de porcelana. Verdes. Mas tão pálidos como os neurónios de que quem assim faz. Todos os dias!

A culpa é sempre da cor de pele “errada”, certo? Claro que a culpa é dos ciganos. Sempre. Agora olhem a História. Como se dá a volta a isto? Dando um passo. Ora tentem lá. Não dói nada.

Um dia rajoy terá uma estátua em Les Rambles. Por baixo, a inscrição: “Gràcies, gilipollas”.

rajoy transformou o processo de independência da Catalunha em algo que assume foros de irreversibilidade. A violência do dia 1 de Outubro, a prisão dos Jordis, a constante falta de diálogo revela-se completamente improfícua e contraproducente para os interesses de uma Espanha unida. Até ao dia de ontem, rajoy contribuiu, de forma decisiva, para o aumento do número de independentistas na Catalunha.

Hoje, aprimorou-se ainda mais, nessa sua senda. A forma como o artigo 155.º da Constituição Espanhola foi accionado e, após, “regulamentado” por rajoy, traduziu-se numa provocação ao povo da Catalunha. E muitos independentistas que não o eram passaram a sê-lo. Hoje são mais do que ontem, e ontem já eram bem mais do que antes de 1 de Outubro.

Tivesse o referendo sido aceite e realizado com normalidade (e não me refiro, obviamente ao referendo tal como ocorreu) e os defensores do “não” podido defender as suas razões (que, aliás, sobejavam — a começar pela simples enunciação de repercussões económicas) e outro galo teria cantado.

E só assim, validando um referendo (insisto que não me refiro aos resultados do que veio a ocorrer) poderia Espanha-Madrid, com plena legitimidade, invocar a Constituição.

Porém, rajoy decidiu-se pelo uso da força e, agora, pela insistência no óbvio (porém, inócuo): a inconstitucionalidade de uma declaração de independência. Obviamente, a declaração de independência não respeita a Constituição espanhola. Tal como, mal comparado, o 25 de Abril não respeitou a Constituição de 1933.

rajoy criou um problema que dificilmente terá solução. Contribuiu sobremaneira para o sentir independentista catalão. É preciso uma total ausência de tacto e excesso de senilidade política (que talvez tenha explicação na vontade de mostrar serviço a uma Espanha em que só conta Madrid) para ter chegado a este resultado.

Dificilmente, a acção de rajoy poderia ter sido mais favorável ao resultado final em construção. Como creio que não foi premeditado, e que rajoy não é um feroz independentista catalão infiltrado no Governo central (embora pareça), e para além do que atrás disse, só posso concluir que rajoy colocou o seu umbigo e o do seu partido à frente dos interesses de Espanha.

E, nisto, conseguiu o impensável. Erguer Puigdemont a herói na luta pela independência. Não é fácil, convenhamos, dar carisma a Puigdemont, um personagem sombrio (até agora) que não passava (aos olhos da maioria dos catalães) de um Quixote sem Sancho, em busca de uma Dulcineia que todos sabiam ausente.

Puigdemont não tinha, sequer, moinhos de vento contra os quais lutar. rajoy presenteou-o com um exército de ocupação. Se a Justiça espanhola o prender, o que é uma inevitabilidade, multiplique-se por dez.

Em suma, rajoy conseguiu o impossível. Dar palco a Puigdemont, sendo que para tudo contribuiu, para além da sagacidade de uma ameba, um total desconhecimento da História e da Ciência Política. Catalunha não tem moeda? Há sempre uma moeda possível, o dólar. A fuga de empresas? Logo regressam, a Catalunha não é propriamente algo de que o capitalismo vigente possa prescindir. A União Europeia jamais reconhecerá a República da Catalunha? Veremos, assim comece a fazer contas ao prejuízo.

Bastava rajoy ter lido Tocqueville: “Os acontecimentos podem passar do impossível ao inevitável sem pararem  no provável”. Ou então leu, e quis ser a ignição.

Um dia rajoy terá uma estátua em Les Rambles. Por baixo, a inscrição: “Gràcies, gilipollas”.

Carta Aberta ao Conselho Superior de Magistratura – da lapidação da mulher… “não honesta”

Efectivamente, não quis crer quando li apenas excertos do acórdão em assunto, pelo que me remeti ao silêncio. Entretanto, li-o integramente. Sou Advogado há mais de duas décadas e não vou recorrer à idiotice de me cindir, caso em que poderia dizer, “mas não é nessa qualidade que escrevo este texto”. Começo por dizer que sou homem, pai, filho, também sou advogado, e, pasmem, dou aulas numa universidade pública. Não me consigo dividir e dizer que parte da minha pele fica lá fora. Seria uma manha patética. Tenho plena consciência de que estou sob a alçada disciplinar da Ordem dos Advogados, e estou, assim como qualquer Cidadão sujeito às regras que emanam do Estado Direito Democrático. Ainda decidirei se formalizarei uma queixa junto do CSM. Em que moldes o farei e quando o farei. No entretanto, fica este texto, às cores.

Todo o texto integra o acórdão que foi proferido, pela Relação do Porto, no âmbito do âmbito do Processo n.° 355/15.2 GAFLG.P1 (link), em que foi relator o juiz desembargador Neto de Moura.

A verde as palavras da magistrada recorrente (MP), a vermelho as considerações tecidas no Acórdão que me remetem para 1886 e mais atrasado e que considero um verdadeiro pontapé no Estado de Direito Democrático, na dignidade das Mulheres e dos Homens. A azul e entre parênteses rectos, as minhas palavras, dúvidas e considerações.

«(…) A tese da senhora magistrada recorrente é a de que, tendo decorrido mais de quatro meses sobre a data em que o arguido X teve conhecimento do adultério da mulher, já ele não poderia estar “condicionado ou manietado e toldado por sentimentos de revolta e ciúmes, devido à traição”, antes agiu com total discernimento, planeando e premeditando a sua vingança.

O juízo efectuado pelo tribunal sobre o comportamento do arguido revelaria “inaceitável tolerância e até compreensão”, quando o que se impõe é uma condenação em severa e efectiva pena de prisão.

Salvo o devido respeito, uma tal apreciação afronta a razão e as regras da experiência.

É óbvio [é?] que, se o arguido foi internado devido ao seu estado de depressão, esta teria que ser profunda. Tal como é de primeira evidência que uma depressão não se cura de um dia para o outro.

Como bem refere o arguido X na sua resposta, não é preciso ser perito médico (basta ser sensato e objectivo) para se alcançar que uma depressão grave (tão grave que levou ao internamento numa instituição psiquiátrica) não se cura em dois dias, podendo prolongar-se por anos

[portanto, caro CSM, daqui a 20 anos, se esse tempo demorasse a depressão a curar, mantinha-se a ausência de premeditação invocada pela magistrada do MP?]

Ainda recentemente, a OMS chamou a atenção para esta doença que, em Portugal, afecta quase meio milhão de pessoas e é a principal causa de suicídio, requerendo um acompanhamento médico especializado e por um dilatado período de tempo. Não merece, pois, qualquer reparo (e, muito menos, a censura que lhe dirige a magistrada recorrente) o juízo probatório e valorativo efectuado pelo tribunal.

[a OMS… Bem, em face do que se segue, só se me afigura dizer que andou o juiz a ler modernices]

(…)  É inquestionável que a função de prevenção geral, que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas, tem de ser eminentemente assegurada.

No entanto, como já se deu a entender, não partilhamos da opinião da digna magistrada recorrente sobre a gravidade dos factos nem sobre a culpa dos arguidos, especialmente do arguido X.

Este caso está longe de ter a gravidade com que, geralmente, se apresentam os casos de maus tratos no quadro da violência doméstica.

[conceito vago e indeterminado, não assente em factos, meramente conclusivo e inócuo num Acórdão; mas é do tipo “gaja com sorte, pá, para o que fizeste levaste poucas”? É? É isso?]

Por outro lado, a conduta do arguido ocorreu num contexto de adultério praticado pela assistente.

[caro CSM, o facto de o relator repetir isso mil vez derroga as normas jurídicas vigentes?]

Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem.

[ui. Ora diga lá…  e o adultério do homem? As regras de experiência comum do juiz são as suas regras de experiência comum? Ou da sociedade de XXI? Resposta lapidar já a seguir…]

Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte.

[aguardo que o CSM se pronuncie sobre a aplicação (directa!)  de normas não jurídicas, estranhas ao Direito Português; quanto ao resto, retiro das palavras – retiro das palavras do juiz – que sorte tem “a gaja” em não viver numa dessas “Sociedades”; ou seria enterrada até ao pescoço e apedrejada até à morte.]

Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte.

[aguardo que o CSM se pronuncie sobre a aplicação, ainda que indirecta, de uma leitura arrevesada de um texto religioso numa sociedade laica – no que me toca, embora já tenha lido a Bíblia, não costumo invocá-la em julgamento. Nem o Alcorão, a Torá, o Talmude, um Veda ou outro… doravante, posso?]

Ainda não foi há muito tempo que a lei penal (Código Penal de 1886, artigo 372.º) punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse.

[os artigos 381.º e seguintes do mesmo Código Penal previam a figura do “duelo”, atenuantes e agravantes. Posso invocar, caso me apeteça, o artigo 385.º desse “ora repristinado” Código? Caso eu mate alguém em duelo posso pedir um a dois anos de prisão? É que “Ainda não foi há muito tempo que a lei penal…” Foi só há 131 anos… E como ficamos, em 2017, em matéria de aplicação da lei no tempo? Posso ignorar o artigo 2.º do Código Penal. Invocar as Ordenações Afonsinas? São de só de 1446 e o V capítulo era dedicado ao Direito Penal, ou seja, “Ainda não foi há muito tempo que a lei penal…”. Posso?]

Com estas referências pretende-se, apenas, acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher.

[mulheres honestas versus mulheres adúlteras? E, CSM, como compreende o CSM a compreensão do juiz, perdão, a “alguma compreensão” com que este vê o exercício da violência pelo homem traído, no estrito contexto do Acórdão, sobre a mulher… “não honesta”?]

Foi a deslealdade e a imoralidade sexual da assistente

[em relação a esta infâmia, espero que o CSM tome as devidas providências; em que se traduz a imoralidade sexual da assistente? À luz do século XXI e à luz do artigo 2.º da CRP?]

que fez o arguido X cair em profunda depressão e foi nesse estado depressivo e toldado pela revolta que praticou o acto de agressão, como bem se considerou na sentença recorrida.

Por isso, pela acentuada diminuição da culpa e pelo arrependimento genuíno, podia ter sido ponderada uma atenuação especial da pena para o arguido X.

[em suma, se o arguido X tivesse recorrido, o que não fez, ainda veria a respectiva pena especialmente atenuada…]

As penas mostram-se ajustadas, na sua fixação, o tribunal respeitou os critérios legais e não há razão para temer a frustração das expectativas comunitárias na validade das normas violadas. (…)

Ora, a factualidade apurada permite caracterizar os arguidos como cidadãos fiéis ao direito, que têm tido um comportamento normativo e mostram-se perfeitamente integrados na sociedade.

Tudo indica que os actos praticados foram meramente ocasionais, que não repetirão.

[caso se repitam, poderão sempre invocar este acórdão, a Bíblia, o Código Penal de 1886, a lapidação em “algumas Sociedades” – um mundo inteiro de oportunidades, portanto]  

.Nenhum deles revela características desvaliosas da sua personalidade.

Ao contrário do que alega o recorrente, não há particulares exigências de prevenção especial que desaconselhem a suspensão da execução das penas de prisão.»

Rogério Costa Pereira

Fundão, 23 de Outubro de 2017

ROMEU E JULIETA – O ARTIFICIO DO FOGO

Tenho memórias difusas e encavalitadas do primeiro fogo que vi. Entre o pesadelo, o longe da memória e a realidade, os sentidos tropeçam uns nos outros e como que se transformam num só. Ou num nada. Ou em tudo.

Os sinos dobram e o povo da aldeia reúne-se. No meio do pavor, todos os sentires avessos à união se afogam.  A galinha da vizinha passa a ser tão importante como a minha. Ainda que no dia seguinte, paridas as cinzas, tudo volte à normalidade. O processo em tribunal continua, porque o vizinho roubou dez metros de terra ao vizinho. Os filhos e os netos retomam as mágoas herdadas, ainda que se perca no tempo, que não se saiba o quando e como começou a razão de tanto ódio.

Mas naqueles dias, não há Montecchios e Capuletos. E Romeu e Julieta carregam o mesmo balde, onde apenas cabe água para apagar aquela chama. Fazem-no sem medos, apesar do muito medo que aquele elemento estranho transporta. Fazem-no à vista.

Há um só povo. Uma só família. Um só fogo.

E quando relembro a minha primeira visão, daquele indomável inferno… tudo se me afigura estranho. Igual senti em todos os demais. Quando tentei subir a Gardunha, em Junho passado… Toda a gente era uma só cara. Como se os gritos de ajuda e de pavor viessem de uma só boca. Lembro-me de um homem que me pediu para parar. Disse-me para esperar com ele. E esperei. E aqui tudo se confunde de novo. Esperei uma hora ou cinco minutos? Apontava para trás das casas, onde se viam as chamas. Chega cá? E eu sabia lá. Disse que não. Que o vento estava contrário.

E eu tenho tanta certeza do que disse, como tenho da minha absoluta ignorância de para onde o vento corria. Corria para todos os lados, virava sem orientação. Pelo contrário, tenho a certeza que aquele homem sabia bem mais, só precisava de olhos que olhassem naquele direcção e lhe dissessem que “tudo há-de correr bem”. Calhou a que assim fosse. E o vento poupou as casas.

Quando ele me chamou “doutor” – “bem-haja, doutor” — senti-me o mais inútil dos seres.  Acho que foi assim. Ele disse “doutor” e eu disse “tenho de ir”. E só agora que escrevo, me relembro. Acima, estavam os homens e mulheres da protecção civil, estava a GNR. Estava ele mesmo, mas o artifício social de uma licenciatura (em Direito) aconchegou-o.  O que é, objectivamente, falho de razão. Mas a razão é estranha a estes momentos.

Entretanto, caiu por uma ribanceira um carro dos bombeiros. E tudo e todos viraram polícias sinaleiros. Uma espécie de barricada erguida para que todas as ambulâncias se dirigissem para o lado oposto donde eu vinha.

O fogo queima os ódios e as invejas. Porém, somente na véspera da cinza do dia seguinte. Em que voltam as galinhas das vizinhas que são mais gordas do que a minha. Tenho de terminar que escrevo e rememoro o que nunca contei, porque nem de tal me lembrei até agora (não de contar, mas de saber).

Na história singelamente recordada e contada, fui lá acima, tentei subir à Casa do Guarda, falei com pessoas, caiu um carro dos bombeiros, e voltei para baixo. Foi mais do que isso, pelo que ora leio.

E termino, antes que me arrependa e apague. O fogo é uma realidade estranha, a quem o vive, a quem nele morre, a quem nele perde tudo.

Imaginem um gato e uma leoa. O fogo domado numa braseira ou numa lareira. E o fogo à solta, faminto de ir para onde o vento o empurra. Queimar, queimar, queimar.

É, pelo visto e sentido, necessário esse artificio para que Romeu e Julieta, por uma só noite, se possam juntar, e sem que a história não acabe ali mesmo. Mortos matados, pelo veneno essencial.

Fogo, disseste, envolto em artificio/artifício o pediste.

Resta a esperança. Que, algures, lá por mais algures-longe que seja, outro elo tenhamos, que nos una tanto assim, e que não passe pela desumana manha do fogo, que na manhã seguinte asinha as cinzas extinguem.

Nota: este texto é a resposta a um desafio que (me) lancei e a que o Miguel Estudante respondeu. Tentei a obedecer a uma regra, escrever em 10 minutos. Não cumpri. A Palavra: fogo; Contexto: artificio. Mas, agora que lhe revi os erros e gralhas, sem modificar a essência, assevero que o que acima digo não é ficção. Será pobre, arrogante, pateta, será o que cada um quiser ler. Mas custou escrever. Seguir-se-ão mais quatro ou cinco. Egoísmo meu, que era só para tentar escrever de novo. Acabei por me queimar, neste caso. Com o fogo não se brinca.

Portugal é fumo… e o resto é Lisboa

“Habituem-se”, foi algo assim que o PM disse.

Não é próprio de um PM, não é próprio de António Costa. E, no que escrevo de seguida, não alinharei no palavreado partidário de uma direita desesperada, que se agarra à visão do fogo como uma espécie de bombeiro-incendiário.

É certo, tal como disse António Costa, que uma reforma assim não se faz da noite para o dia. Mas algo poderia e deveria ter sido feito em quatro meses. Assim a política se exercesse. Não falo de fazer nascer uma nova floresta, como se se tratasse do pé de feijão do João.

Mas com a seca, com o calor irrespirável, com um mero olhar à meteorologia era mais do que óbvio que isto podia acontecer. E ao Pedrogão de Junho poderiam acrescentar mais quatro meses sem chuva.

Mudar a Ministra não apagará os fogos que persistem. Mas a senhora já demonstrou que não é apta, que está cansada, que não teve férias.

Assim como o Secretário de Estado, omnipresente em Junho, que ora resolveu aconselhar as populações a serem as primeiras a agir. Como se ele não tivesse visto que sempre assim foi. Viu em Junho, viu agora de novo. E se não estivesse tão cansado, ter-nos-ia poupado a tamanha indigência mental.

Nestas circunstâncias, qualquer reforma (em curso ou não) precisa de novas cabeças. E, preferencialmente, que não estejam apenas habituadas ao fumo incómodo do tubo de escape dessa Lisboa auto-cercada pelo pseudo-pensar. Essa Lisboa de cartões, ora rosas, ora laranjas. Menos choro, mais atitude.

Hoje, um escrevinhador do Expresso, de cognome raposo, conseguiu fazer a ligação entre cem mortos em quatro meses e a Operação Marquês. Disse às vítimas do país que desconhece, e que não é o dele, para ligarem os pontos entre sócrates e António Costa.

O que distingue esta tropa incendiária, que não alinha uma com duas e que usa água para apagar os fogos nos óleos das frigideiras, da matilha que desde há quatro meses se vem acendendo e reacendendo… Não era bem uma pergunta, daí não ter colocado o ponto respectivo.

Uma crónica não mata, concedo. Mas uma crónica indigente no modus operandi, como a referida, revela o pensamento de uma certa forma de olhar a política e a res publica. Ignorando ambas, em troca duma festinha no lombo. E essa atitude pode matar.

A floresta, estuporados seres, não se desorientou em dois anos.

Voltando a Costa.

O país precisa de um sinal de mudança enquanto as coisas não mudam.  Não carece disso que hoje foi dito. Demitir a Ministra não resolve nada, no imediato. Mas, relembro, ela está em guerra com as entidades que tutela desde antes de Pedrógão.  Não achou necessário entender este Outubro. Poderá não ter sabido, não ter querido, precisar de férias.

“Ontem” poderia ter sido minimizado. Não ouso dizer evitado, porque sei bem como o vento ventava.  E aventa-se uma faúlha a 5, 6 quilómetros. Com a “prestimosa” ajuda de quem faz da vida um fósforo na caruma; o resto acontece sozinho.

Portugal tem de deixar de ser pensado, apenas, de Lisboa. Mesmo porque Lisboa se está nas tintas para o país. Lisboa e Porto, já agora, em que as fogueiras conhecidas têm nome de santos e são certificadas em cartório notarial.

O Primeiro Ministro tem de entender que também as omissões têm consequências. O cansaço tem consequências. Esta Ministra perdeu a chama, e ninguém mais lha acenderá. Não bastam uns olhinhos cansados…

Há que pôr homens e mulheres no terreno. Pagos para reflorestar e para evitar que aquele cigarro, por dolo ou negligência, caia no chão. Para isso são necessários homens e mulheres que olhem a terra e a floresta e desprezem o cartão.

E não há filho da puta algum, Ministro mesmo ou aspirante, cronista mesmo ou avençado para tal, que voltará a dizer que falta resiliência ou vontade ao Povo.

O Povo desdobrou-se, multiplicou-se. Ou em vez de cem seriam mil, os mortos. Nem tampouco é precisa esta oposição de ocasião, partidária ou ardina. Quem é o primeiro a defender a casa do vizinho? O vizinho.

Não consigo percorrer dez quilómetros sem que não me cheire a fumo. E não falo das vossas aventuras na segunda circular.

E sabem que mais? Fogo algum se apaga com água. Mas com enxadas (na dupla acepção do termo). António Costa, esta era mesmo para si.

Portugal é fumo… e o resto é Lisboa.

m/referência: CGD

[eis o email que acabei de enviar para a CGD; faz parte das minhas cláusulas contratuais gerais não “comer e calar”]

vexas,

Em referência à mensagem infra, e tendo em conta a minha exigência de encerramento da conta, informo o seguinte (sendo certo que não vos contactarei via qualquer endereço na internet):

a) A conta será encerrada no mesmo local onde foi aberta, no meu escritório, onde uma funcionária v/ do ex-BNU se deslocou por sua iniciativa.

b) Sendo certo que mudei de escritório, assim como a agência supra referida já não existe, a morada para o efeito é a infra referida no timbre, devendo ser marcada para o efeito uma reunião, nos exactos moldes em que sucedeu aquando da abertura de conta.

c) Relativamente ao pagamento da Via Verde, remeto para a minha comunicação inicial, que deu origem a este email. Bem sei que não olham a pessoas e a cortesia vos é arredia, mas não serão vexas a fazer de mim um número.

d) Mais informo que, oportunamente, pelas razões que explicito na comunicação original, dirigida ao “Assistente Comercial” (…) (a quem darei nota desta comunicação na vossa plataforma), vos remeterei darei nota dos meus honorários (…) (durante mais de três anos, retirei do Citius e remeti para vexas centenas de notificações). “Solicito que procedam ao seu pagamento com a maior urgência”.

e) No que tange à alínea que antecede, remeto para o instituto do enriquecimento sem causa, cujos termos poderão consultar no Código Civil, e não em obscuras cláusulas contratuais gerais (vide alínea seguinte).

f) Enviem-me as condições gerais a que se referem nos três pontos em rodapé do v/ email, obviamente assinadas por mim e pela co-titular (de quem tenho procuração que exibirei nas condições referidas na alínea a)).

g) No que respeita à carta vexatória e intimidatória em anexo, alerto que caso procedam a qualquer comunicação ao Banco de Portugal, agirei civil e penalmente contra a CGD e contra os subscritores da comunicação. Creiam que o farei e vos imputarei eventuais danos que advenham do v/ acto.

h) Sem prejuízo da alínea que antecede, solicito o envio de factura discriminada (ao cêntimo), por forma a que eu possa aferir dos € 27,94 que alegam que vos devo, quer a título de capital, quer a título de comissões.

i) Igualmente sem prejuízo de tudo o que antecede, informo que ponderarei participar criminalmente contra a CGD e contra os subscritores da carta anexa — dar-vos-á oportunidade de fazer prova da minha condição de “consumidor endividado”.

j) “Estou disponível para o esclarecimento de qualquer dúvida”, por esta via ou pelas referida em a) e b).

Mutatis mutandis, foi esta v/ atitude que conduziu à actual situação da CGD. O absoluto desprezo pelo homem em favor dos números. Lamento não poder retribuir a vossa “simpatia”, a que aludo em i) indicando-vos um www.imparidades.pt / http://www.​regabofe.pt.

Aguardo o cumprimento de cada alínea e reitero com especial ênfase as alíneas g) e i).

PS – Obviamente, vexas estão a complicar um caso que poderia ser simples. Não ligarei para número algum, não me deslocarei a agência alguma. Encerrem a conta. A minha arrogância é toda vossa! Rebobinem e verifiquem quão simples era o meu pedido inicial.

[Esta comunicação, da qual darei nota pública, é isenta de comissões]

CGD_2

97 páginas para acrescentar ao seu cv, diogo queiroz de andrade.

tiro no péTentei publicar as palavras abaixo, assim como o anexo (em rodapé), na página do director-adjunto do Público, diogo queiroz de andrade. Porém, o indivíduo, após levar porrada de criar bicho, fechou os comentários. Imagino que o próximo passo seja apagar o post. Para que não se perca, para ajudar à urgente regeneração do Público, aqui fica. Com a devida vénia aos truques da imprensa portuguesa.

Não vá o Facebook (ainda ontem aconteceu com o Público) ter algum tanglomanglo e perder-se um dos maiores feitos… falta-me aqui o adjectivo, mas a substância é tanta e tão elucidativa…

vexa logrou virar o avesso do avesso, não perdendo de vista o objectivo (cumprido!) de jurar um jornalismo às avessas sem ter reparado, o que não é simples. Aqui escreveu com outra cara?, que não a de subdirector do Público? Isso não existe. Só no pequeno grande mundo de vexa, vestido de alumínio e marfim. Mas imagino que até vexa já tenha alcançado isso.

Parabéns por esta obra prima, homenzarrão. Um conselho: antes de afrontar alguém, tire-lhe as medidas. Olhe-lhe os dentes.

Agora clique no link e leia por aí abaixo. E, repare, não foram Os truques da imprensa portuguesa (parabéns a eles!). Foi vexa. Sozinho, pá. E isso tem imensa piada. O que faz de vexa um truque assumido; um auto-truque. Não precisa que o desvelem.

PS (calma, diogão, não é esse) – Ganda malha, Pedro Bragança. A vossa página, o teu comentário… mas atentem, que eles andam tão “atentos” que se revelam sozinhos (e esse é o vosso mérito!).

[O parágrafo seguinte, tendo em conta o meu nome lá em cima, perde algum sentido, mas opto por manter o comentário tal como era para ser publicado]

Quase me esquecia de assinar, porra. O que apenas faço para que o enorme Diogo não perca tempo a encontrar-me, naquele jornalismo de investigação tamanho, e acabe por confundir-me com os Truques. Eles estão muito acima. Eu só faço colecção de cromos (cumprimentos ao paulo pinto mascarenhas).

Cliquem neste link para aceder às 97 páginas referidas no título. E não precisas de agradecer, diogo. Não mereces menos. 

Triste, baixo e desprezível, EU e os FOGOS

Pedrogão

No meio desta tragédia, sobra tempo para uma guerra dos media contra a Protecção Civil. Há pouco, vi uma jornalista do Expresso queixar-se de como havia sido induzida em erro. A propósito do avião que afinal não caiu – estava maçada, a senhora, e quase me veio uma lágrima. Queixava-se de tudo, e garantia a sua idoneidade. Que muitas pessoas (acho que falou em duas) lhe haviam garantido a queda duma aeronave. E quase me convenceu que no meio deste inferno a culpa foi das fontes. E aprendi, hoje, que há fontes da mãe e fontes da puta.

Nomes? Zero. Segundo a senhora, que disse algo como “sinto-me sem pé”, os media foram enganados. Falou num briefing, sem nomear nomes, mas onde não fosse alguém questionar, não se iria tocar no assunto “caiu um avião”.

A senhora estava realmente zangada, porque avião algum havia caído. E duas pessoas (anónimos) lhe haviam garantido o oposto.

Os senhores jornalistas estão cansados? Imaginem quem realmente lá anda, no meio daquele inferno.

Estamos todos doridos e cansados (o pôr do sol na Estrela é a minha principal fonte de informação — estarei 80/100 kms de em linha recta), imaginem quem lá ande a pisar o terreno, sem dar as costas a um lençol branco, sob o qual “uma senhora” espera que o cadáver de “uma senhora” seja recolhido. Os cadáveres, senhora, não se carregam às costas para a vala comum mais próxima.

Os eucaliptos não são os culpados de tudo, é certo. Melhor, são culpados de nada. São árvores.

E, a chamada lei do eucalipto mantém-se em vigor. Este Governo prometeu revogá-la. Não o fez. E foi exclusivamente por isso que esta tragédia aconteceu. Obviamente! Em dois anos, assistimos à desordenação florestal. À eucaliptação da floresta. Em dois anos a Protecção Civil fritou que nem pipoca. Os Bombeiros VOLUNTÁRIOS não salvam (a cada meio minuto vão ao quiosque mais próximo e raspam raspadinhas). Se não sair nada, voltam. Bebem um leitinho e apagam um fogacho ao pontapé.

A Ministra esteve mal na questão dos bombeiros galegos cuja entrada em Portugal foi negada? Não faço ideia. Não me passa pela cabeça que a decisão haja sido dela, só porque lhe apeteceu. Sei apenas da força do fogo, que aprendi cedo ao ver a Gardunha a arder. Ao ver a Estrela a arder. Se a tomou sozinha, esteve mal. Mas não creio, mesmo porque outros tantos bombeiros espanhóis entraram em Portugal. Mas como disto nada percebo, ouso dizer que a minha decisão seria diferente. Não teriam de ir directo para local, e imagino que em pouco tempo seriam colocados a par da estratégia de combate. Mas, lembram-se de aqui há uns anos, uns bombeiros chilenos terem sido comidos pelas chamas, numa luta semelhante, em terreno que não conheciam? Foi em Portugal. Não me lembro quando e onde. Na minha supina ignorância, imagino que o combate a um incêndio exija estratégia. Concertação. Mas não tenho a certeza, que não sou repórter de lençóis brancos, sob os quais jazem “senhoras”.

Um fogo (assim se diz, por este interior negro) arde um pouco mais, venta um pouco mais do que as fogueiras de Santo António ou João. Também não é um madeiro fronteiro a uma igreja, em véspera de Natal.

Todos os jornalistas e cronistas e especialistas estavam preparados para algo assim. As redes sociais estavam. Eu não estava. E sim, aqui reside um problema. No que me mandam dizer de seguida.

O Governo também não estava. Com dois anos talvez já devesse estar, digo eu. Mas tive o cuidado de antes de dizer isto ir ver dessa coisa das trovoadas secas (coisa não rara mas também assim não muito inabitual aqui nas berças). Ver onde era previsto caírem. Cansado de nada perceber, fui perguntar. Questionei duas fontes (não as identifico, aprendi com a senhora do Expresso) e ambas foram solenes e assertivas.  É difícil prever se uma trovoada é seca ou molhada.

Um exemplo: no Sábado choveu na Covilhã (penso que não trovejou) e trovejou no Fundão. E não choveu. Em linha recta distam uns dez quilómetros ou menos.  Sei que tinha o meu filho numa festa de anos, numa piscina num parque campismo, e assim que ouvi o trovão fui buscá-lo. Eu e todos os pais e mães. Deve ser tara aqui do pessoal do interior. Ventava em rodopio, já não trovejava. As folhas dançavam zumba. Os miúdos estavam a modos que com medo. Para os acalmar, acendi um cigarro e aventei-o para a árvore mais próxima.  Em menos de um fósforo, a árvore transformou-se num cinzeiro sem continente. Depois todos bateram palmas, arrotámos em sincronia, e dirigimo-nos às mulas e machos que nos conduziram às palhotas que nos albergam.

Não se via o sol. As nuvens lá estavam, já com ar de quem não ia chover.

Antes de continuar, é ÓBVIO que a floresta tem de ser repensada. Mas isso também depende de nós. E adoro o cheiro do livro em papel, mas estou preparado para que a parafernália do papel deixe de governar governos.

Asinha termino.

Triste, baixo e desprezível não é a fome de sangue e arrogância dos media (raios partam no avião que não caiu e nas fontes que falharam).

Triste, baixo e desprezível não é a instrumentalização politico-poucochinha que aí vem desta tragédia.

Triste, baixo e desprezível é o facto de este post me ter sido encomendado por vários partidos de esquerda e de eu, que milito em todos, e cumprindo ordens (coisa que faz o meu estilo), o replicar. Perdi completamente a noção; de tanto me vender, em tachos e esquemas. A minha conta bancária foi expulsa do banco, por falta de espaço para tanto verde.

Triste, baixo e desprezível sou eu, sim, por acreditar que a nossa floresta está votada ao abandono. E ousar acreditar que a culpa não é só deste Governo. Nem é só do Governo que o antecedeu.

Triste, baixo e desprezível, EU, sim, por acreditar que há aqui uma culpa colectiva. Não é dos submarinos (que tanto jeito nos fazem). Não é de quem come sopa de eucalipto. Não é de quem não limpa as matas. Não é de quem nunca sentiu uma trovoada seca. E seguramente não é da esquerda e direita caviar que encharca as páginas dos jornais portugueses.

Vamos aguardar que o fogo se extinga, colocar fotografias de bombeiros exaustos; depois vamos criar 64 comissões parlamentares de inquérito. Uma por cada vida que se perdeu.

Triste, baixo e desprezível é dizer que tenho quarenta e cinco anos e que desde que tenho memória isto se repete.

Os media e as politiquinhas que cavalgam a brasa não são tristes, baixos e desprezíveis.

Triste, baixo e desprezível sou eu, a voz do dono.

Aguardarei instruções para o próximo post. Não há palavra que escreva que não me seja encomendada. Quem me conhece sabe isso. Jamais me pronuncio sem que me digam o que dizer. Sou o antónimo dos media – tenho dono –, sou pago a peso de ouro para dizer o que digo. Todos os meus dinheiros ardem juros num offshore, of course & off course.

Miguel, uma flor lembrada

Miguel Portas 2

Miguel,

Chegou o dia 24, mais uma vez. O tal que precede os cravos do calendário; e mais uma vez lá estarei, na arruada pela Liberdade, misturado com alguns que lá vão, apenas, porque o calendário assim o dita – é-me tão difícil, sabes?; porque bem ou mal, faço por um Abril diário. Atenta-me o Abril calendário.

Sem nunca ter falado contigo, foi também contigo que aprendi a não ter medo. O resto, a forma como o faço, é da minha exclusiva responsabilidade. Não tenho a tua paz, não tenho o teu sorriso, não tenho aquela “magia” simples que só tu tinhas.

É-me sempre difícil (cada vez mais difícil) suportar este solitário 24/4. Solitário porque morreste, embora sempre presente. Mas é cada vez mais complicado fazer aquelas contas de te ler sem se te ler. Lembro-me de ir ver de ti, sobre cada assunto do dia. De como às vezes (poucas) discordava. De como quase sempre pensava essa coisa do “ele” (tu) também pensa assim. E seguia adiante, fazendo o que acreditava ser justo, independentemente do que pensasses sobre o tema em causa. Da forma como lidavas com ele.

Contigo, caro Miguel, aprendi algo de muito importante (mas não te uso como desculpa).

Que se lixe o medo. Quem somos nós para nos dar ao luxo de não dizer, de não agir por medo? O mundo não se resume aos cinco segundos de vida que temos. E os farsolas continuam a ir ao pote (palavras tuas, a propósito de um avençado que acabou mesmo por ser o que acreditavas que nunca seria). E ai de quem os aponte a dedo. No que me toca, seria absurdo não o fazer. Depois há a cena da forma, que também interessa. Nessa parte tenho jeito nenhum.

O mundo está cada vez pior.

E tu alertaste. Estiveste em cada sítio onde este mundo, cada vez mais insano, ergue agora muros. Como hoje relembra o teu amigo Pureza, tu e o teu mediterrâneo. Esse mediterrâneo-porta agora transformado em cemitério-muro.

Quando morreste, depois do choque e da dor do momento (falo da dor do momento; que passaram cinco anos e ela continua), pensei “a porra é que morreu”. E repara, Miguel, morreste na parte racional daquela cena de estar vivo. No mais (esse enorme “tudo”) estás cada vez mais vivo.

Há uns meses, em conversa sã com alguém que crê em Deus, mandaram-me com essa. “Quem és tu para te dizer increu, se ergues o Miguel a uma condição de quase deus?” E pensei, olha que porra de cena. Não olho para o Miguel como um deus. Apenas falo de um Homem. E depois pensei, mas que porra de contradição. Aquilo do “Apenas”. A forma como o olho é precisamente por Ser Humano. Ser Ser Humano. Se te olhasse como deus faria questão de não acreditar em ti. Olho-te como um Homem que faz falta. Muita falta.

E nunca troquei palavra contigo. Ficava sempre para o dia seguinte. Há muito tempo. Havia sempre muito tempo. A verdade é que por natureza não temos muito tempo, podemos levar com essa maleita cobarde que te levou. Ou com um camião. Sei lá se acabo este texto. Sei lá se o publico. Quem sou eu para falar de tempos. Errei nisso.

Hoje, não dou o amanhã por adquirido. Tenho de viver este hoje. Sem raiva, sem ódio. Com dúvidas. E também sem pressas, apesar de hoje, este segundo, poder ser o último. Ou precisamente por isso. Mas não deixando nunca de dizer o que penso. Porque amanhã pode não ser tempo.

Agora mesmo chegou o Francisco (meu filho), expliquei-lhe o que estava a fazer. Depois pediu-me ajuda nos tpc, uma interpretação de umas palavras de Ondjaki (verdade, já temos Ondjaki na “quarta classe”; nem tudo vai mal).  Chama-se “A flor esquecida”.

“Certo dia, ao andar pela rua / Uma menina reparou / Numa flor muito bonita / Vendo-a tão paradinha / Também a menina parou./ A flor espalmada no chão / ao ser assim olhada /mais engraçada ficou. (…)”

A pergunta era algo como: “o que sentiu a flor?”. Falei-lhe mais um pouco do que estava a escrever. O resto foi com ele.

E é isto Miguel. Obrigado.

Até amanhã.