Efectivamente, não quis crer quando li apenas excertos do acórdão em assunto, pelo que me remeti ao silêncio. Entretanto, li-o integramente. Sou Advogado há mais de duas décadas e não vou recorrer à idiotice de me cindir, caso em que poderia dizer, “mas não é nessa qualidade que escrevo este texto”. Começo por dizer que sou homem, pai, filho, também sou advogado, e, pasmem, dou aulas numa universidade pública. Não me consigo dividir e dizer que parte da minha pele fica lá fora. Seria uma manha patética. Tenho plena consciência de que estou sob a alçada disciplinar da Ordem dos Advogados, e estou, assim como qualquer Cidadão sujeito às regras que emanam do Estado Direito Democrático. Ainda decidirei se formalizarei uma queixa junto do CSM. Em que moldes o farei e quando o farei. No entretanto, fica este texto, às cores.
Todo o texto integra o acórdão que foi proferido, pela Relação do Porto, no âmbito do âmbito do Processo n.° 355/15.2 GAFLG.P1 (link), em que foi relator o juiz desembargador Neto de Moura.
A verde as palavras da magistrada recorrente (MP), a vermelho as considerações tecidas no Acórdão que me remetem para 1886 e mais atrasado e que considero um verdadeiro pontapé no Estado de Direito Democrático, na dignidade das Mulheres e dos Homens. A azul e entre parênteses rectos, as minhas palavras, dúvidas e considerações.
«(…) A tese da senhora magistrada recorrente é a de que, tendo decorrido mais de quatro meses sobre a data em que o arguido X teve conhecimento do adultério da mulher, já ele não poderia estar “condicionado ou manietado e toldado por sentimentos de revolta e ciúmes, devido à traição”, antes agiu com total discernimento, planeando e premeditando a sua vingança.
O juízo efectuado pelo tribunal sobre o comportamento do arguido revelaria “inaceitável tolerância e até compreensão”, quando o que se impõe é uma condenação em severa e efectiva pena de prisão.
Salvo o devido respeito, uma tal apreciação afronta a razão e as regras da experiência.
É óbvio [é?] que, se o arguido foi internado devido ao seu estado de depressão, esta teria que ser profunda. Tal como é de primeira evidência que uma depressão não se cura de um dia para o outro.
Como bem refere o arguido X na sua resposta, não é preciso ser perito médico (basta ser sensato e objectivo) para se alcançar que uma depressão grave (tão grave que levou ao internamento numa instituição psiquiátrica) não se cura em dois dias, podendo prolongar-se por anos
[portanto, caro CSM, daqui a 20 anos, se esse tempo demorasse a depressão a curar, mantinha-se a ausência de premeditação invocada pela magistrada do MP?]
Ainda recentemente, a OMS chamou a atenção para esta doença que, em Portugal, afecta quase meio milhão de pessoas e é a principal causa de suicídio, requerendo um acompanhamento médico especializado e por um dilatado período de tempo. Não merece, pois, qualquer reparo (e, muito menos, a censura que lhe dirige a magistrada recorrente) o juízo probatório e valorativo efectuado pelo tribunal.
[a OMS… Bem, em face do que se segue, só se me afigura dizer que andou o juiz a ler modernices]
(…) É inquestionável que a função de prevenção geral, que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas, tem de ser eminentemente assegurada.
No entanto, como já se deu a entender, não partilhamos da opinião da digna magistrada recorrente sobre a gravidade dos factos nem sobre a culpa dos arguidos, especialmente do arguido X.
Este caso está longe de ter a gravidade com que, geralmente, se apresentam os casos de maus tratos no quadro da violência doméstica.
[conceito vago e indeterminado, não assente em factos, meramente conclusivo e inócuo num Acórdão; mas é do tipo “gaja com sorte, pá, para o que fizeste levaste poucas”? É? É isso?]
Por outro lado, a conduta do arguido ocorreu num contexto de adultério praticado pela assistente.
[caro CSM, o facto de o relator repetir isso mil vez derroga as normas jurídicas vigentes?]
Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem.
[ui. Ora diga lá… e o adultério do homem? As regras de experiência comum do juiz são as suas regras de experiência comum? Ou da sociedade de XXI? Resposta lapidar já a seguir…]
Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte.
[aguardo que o CSM se pronuncie sobre a aplicação (directa!) de normas não jurídicas, estranhas ao Direito Português; quanto ao resto, retiro das palavras – retiro das palavras do juiz – que sorte tem “a gaja” em não viver numa dessas “Sociedades”; ou seria enterrada até ao pescoço e apedrejada até à morte.]
Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte.
[aguardo que o CSM se pronuncie sobre a aplicação, ainda que indirecta, de uma leitura arrevesada de um texto religioso numa sociedade laica – no que me toca, embora já tenha lido a Bíblia, não costumo invocá-la em julgamento. Nem o Alcorão, a Torá, o Talmude, um Veda ou outro… doravante, posso?]
Ainda não foi há muito tempo que a lei penal (Código Penal de 1886, artigo 372.º) punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse.
[os artigos 381.º e seguintes do mesmo Código Penal previam a figura do “duelo”, atenuantes e agravantes. Posso invocar, caso me apeteça, o artigo 385.º desse “ora repristinado” Código? Caso eu mate alguém em duelo posso pedir um a dois anos de prisão? É que “Ainda não foi há muito tempo que a lei penal…” Foi só há 131 anos… E como ficamos, em 2017, em matéria de aplicação da lei no tempo? Posso ignorar o artigo 2.º do Código Penal. Invocar as Ordenações Afonsinas? São de só de 1446 e o V capítulo era dedicado ao Direito Penal, ou seja, “Ainda não foi há muito tempo que a lei penal…”. Posso?]
Com estas referências pretende-se, apenas, acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher.
[mulheres honestas versus mulheres adúlteras? E, CSM, como compreende o CSM a compreensão do juiz, perdão, a “alguma compreensão” com que este vê o exercício da violência pelo homem traído, no estrito contexto do Acórdão, sobre a mulher… “não honesta”?]
Foi a deslealdade e a imoralidade sexual da assistente
[em relação a esta infâmia, espero que o CSM tome as devidas providências; em que se traduz a imoralidade sexual da assistente? À luz do século XXI e à luz do artigo 2.º da CRP?]
que fez o arguido X cair em profunda depressão e foi nesse estado depressivo e toldado pela revolta que praticou o acto de agressão, como bem se considerou na sentença recorrida.
Por isso, pela acentuada diminuição da culpa e pelo arrependimento genuíno, podia ter sido ponderada uma atenuação especial da pena para o arguido X.
[em suma, se o arguido X tivesse recorrido, o que não fez, ainda veria a respectiva pena especialmente atenuada…]
As penas mostram-se ajustadas, na sua fixação, o tribunal respeitou os critérios legais e não há razão para temer a frustração das expectativas comunitárias na validade das normas violadas. (…)
Ora, a factualidade apurada permite caracterizar os arguidos como cidadãos fiéis ao direito, que têm tido um comportamento normativo e mostram-se perfeitamente integrados na sociedade.
Tudo indica que os actos praticados foram meramente ocasionais, que não repetirão.
[caso se repitam, poderão sempre invocar este acórdão, a Bíblia, o Código Penal de 1886, a lapidação em “algumas Sociedades” – um mundo inteiro de oportunidades, portanto]
.Nenhum deles revela características desvaliosas da sua personalidade.
Ao contrário do que alega o recorrente, não há particulares exigências de prevenção especial que desaconselhem a suspensão da execução das penas de prisão.»
Rogério Costa Pereira
Fundão, 23 de Outubro de 2017